Bandido tem que Morrer?
Por Karine Almeida e Marco Aurélio.
Um dia um camarada me
falou que bandido safado tinha que morrer mesmo, que nenhum prestava e,
portanto, não tinha salvação.
Esse mesmo camarada
viveu sua infância e adolescência em um bairro periférico no interior de São
Paulo, onde desde cedo soube o que é a vida do crime. Alega que nunca praticou,
mas conhece bastante gente desse meio.
Eu que nunca sequer frequentei uma favela e tudo o que conheço de banditismo vi nos filmes, fiquei
surpreendida com aquele discurso. Fiquei pensando comigo mesma:
“Se ele que se diz conhecer
a vida bandida não crê que a marginalidade seja imposta ou uma reação à
desigualdade social? Eu que sempre acreditei que todos têm direito a uma
segunda chance, até mesmo um bandido considerado da pior espécie, considerei
que meu pensamento humanista poderia estar equivocado.”
Com quais argumentos
iria me convencer, e a ele também, que seu pensamento estava errado? Que esses
“bandidos” são seres humanos vítimas de um sistema explorador, genocida, e que
os marginalizados deveriam se unir para reivindicar seu direito a cidadania?
No momento não tive como contradizê-lo. Ele falava como quem realmente
sabia do que estava falando; justificava toda sua descrença em seu semelhante.
Como fazê-lo crer que não adiantaria punir o bandido enquanto o meio social
continua a formas novos criminosos? E que todos merecem uma segunda chance,
pois não são naturalmente maus?
Em nossos dias, as coisas mudam
Todos se envergonham da juventude
Porque a realidade é bizarra
E para mim é pior
Fomos jogados num mundo amaldiçoado, e isso dói.
(Trecho da música Ghetto Gospel de Tupac Shakur)
Há um tempo que happers retratam a vida sofrida do
marginalizado, daquele que fica com o resto, o que sobra. Há séculos que a
sociedade vem se desenvolvendo através de exploração, trabalho escravo, chegando
hoje em dia há termos empresas que são capazes de controlar e explorar países
inteiros, porém a classe favorecida por esse sistema finge que nada de muito
desumano está acontecendo. Às vezes sinto que até os oprimidos não veem ou não
sentem o que está acontecendo, porém os presídios lotados me fazem crer que o
oprimido nunca irá se acostumar, ele pode não saber exatamente como lutar, podem
não entender o seu meio social, mas eles sentem essa opressão e isso os fere.
Todo mundo sabe o fim dos bandidos pobres: morrer antes dos 25 anos. E ninguém quer ver seu filho, seu irmão, seu parente ou seu vizinho com este destino, embora haja quem acredite que este caminho não é escolha, é sina. (Condomínio do diabo- Alba Zaluar)
Com certeza soluções
já foram levantadas para acabar com a desigualdade e vivermos em um país
igualitário. Mas, parece que alguma coisa está faltando. Muitos falam que a
solução parte da Educação, mas que educação é essa? Qual seria o conteúdo desta
educação que está em falta? O que está por trás da desigualdade social? Com
certeza não é apenas a má distribuição de renda.
Nós não nos vemos como
uma só família, ou uma raça, aos nossos olhos nem todos são humanos, essa
doutrina é a chave para a aceitação das misérias espalhadas pelo mundo.
Tanto o “bandido”
quanto o trabalhador são levados por essa doutrina, ambos são levados a pensar
em si mesmo e suas famílias apenas, cada um luta a sua maneira.
É nítido que muita
coisa não está e nem estará à disposição de qualquer pessoa, viagens,
automóveis de ultima geração, tempo para curtir a vida com segurança e
qualidade, desfrutar de belas paisagens, moradia, educação etc. Porém isso não
é visto como crime. Ninguém vê o padrão sendo preso por registrar alguém como
auxiliar (trabalho tido como barato) e atribuir a este mesmo funcionário várias
funções que não condizem com o registro em carteira, inclusive colocando o
funcionário em trabalhos de risco sem dar a ele o devido preparo ou salário
adequado. Este crime não é punido com a privação da liberdade, e mesmo quando
algum empregado procura a justiça do trabalho, dependendo da influência, poder,
do empregador, o empregado perde mesmo com a lei sendo clara.
No entanto, é o
bandido quem deve morrer, não conseguimos nos revoltar com a miséria ou
exploração na mesma intensidade que nos revoltamos contra bandidos pobres e
negros. Por quê?
Será que esse
pensamento em relação aos chamados “marginais” é realmente um pensamento nosso?
“Bandido merece
morrer!” de qual bandido estamos falando? Daquele que rouba porque quer ter
tudo que a propaganda manda e não quer aceitar os limites que sua classe social
lhe impõe? Ou aquele que nos impõe a essa ideologia de consumo sem razão e selvagem onde ninguém se importa se crianças estão colhendo o cacau do seu delicioso Nestlé. Onde ter é viver? Aquele que compra o governo, que controla os
jornais, televisão, manipula o pensamento público e ganha milhões e milhões
todos os anos enquanto seus funcionários todos estão endividados e com o
dinheiro do décimo terceiro contado antes mesmo de tê-lo recebido?
Roubar, traficar, é
errado, imoral, sim, porém essa não é a questão. A questão é; por que o cara roubou ou
traficou?
Você pode ter
resistido, ou repudiado ao ato criminoso, porém sabe dos limites impostos a
você, sabe que jamais desfrutará de uma vida de fácil acesso a educação, saúde
de qualidade ou certos bens materiais. Isso não te faz roubar ou ceder ao
crime, porém, você também não luta pelo fim dessa exploração imoral que mata,
inclusive de fome, em um mundo que desperdiça comida. Você não perde o sono
porque crianças então nas ruas, abandonadas por todos. Mas te revolta ver
alguém que vem da onde você vem, e que tem dinheiro pra gastar mesmo não tendo
trabalhado. Será que essa revolta é mesmo sua? Por que não se revolta pelas
suas horas de trabalho não valerem nada?
Revoltam-se quando o
MST ocupa uma terra, mas e quando um trabalhador que passou 20 anos trabalhando
em uma fazenda morre e não conquistou nem uma casa para deixar aos filhos?
Essa revolta é sua ou
você está sendo enganado?
O sistema possui mil
maneiras de nos alienar, até onde vai a influência do escravizador no nosso
pensamento?
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