Sobre Mano Brown, o Sistema e o Negro.
Este texto reflete um pensamento que tive após ler uma entrevista com o rapper Mano Brown. Leia a entrevista aqui.
Parece que a guerra não declarada, apesar de matar mais de 30 mil jovens por ano, não atinge a todos. Enquanto
o número de jovens negros assassinados ainda causa espanto e terror em algumas pessoas, outras vivem em tempos de prosperidade onde ser bem sucedido é
o que importa.
Mas o que significa ser bem sucedido nesta sociedade?
Para responder bem a essa questão primeiro precisamos desvendar este
sistema.
O que significava ser bem sucedido no antigo período de escravidão? Vocês
gostariam de estar bem inseridos socialmente naquela época? Quem estaria
garantindo o seu sustento?
Bom, agora para entendermos bem a função imposta aos negros nos tempos
atuais, é necessário estudo, conhecer as histórias que não nos contam em
escolas, observar a sociedade, desvendar o funcionamento social. Afinal, será que os tempos
mudaram tanto assim?
Vamos investigar o que aconteceu com os negros após o “fim” da
escravidão, investigar o motivo de as favelas, periferias, bairros pobres e presídios
estarem lotados de afrodescendentes.
Diferente dos imigrantes da Itália, Alemanha, Japão e outros países, os
negros não tiveram direito a trabalho, foram abandonados a própria sorte. A abolição da escravidão também teve um motivo econômico, os escravos se tornaram
um empecilho para o avanço do capitalismo, pois o trabalho assalariado deixava
o empregador isento de arcar com a sobrevivência do trabalhador. Imaginem os
grandes latifundiários que antes tinham que promover comida, materiais de
trabalho e dormitórios para seus escravos, agora com um pequeno salário pago a
um trabalhador se livraram desses custos e ainda o trabalhador assalariado
ajudaria a economia a crescer, pois ele precisa consumir roupas,
comidas, moradia e etc.
O negro ficou abandonado enquanto outros imigrantes tinham acesso a trabalho
e educação, ouve então um aumento de crianças abandonadas, favelas, mendigos e
da violência. E foi assim por décadas e décadas.
Como nasce um marginal? Quem nos marginaliza?
Deixar quase todo um país na pobreza enquanto poucos, sem explicação
alguma, detêm milhões não deveria ser crime?
Não vejo explicação para isso, exceto a exploração, quem aqui consegue explicar um
latifundiário? Um empresário que ganha milhões? Como faço pra lucrar milhões
sem explorar ninguém?
Certos crimes são vistos como trabalhos de sucesso hoje em dia, assim
como na época da escravidão os donos de escravos eram respeitados e vistos como
grandes produtores.
Então...
...como vencer pelo sistema sem se igualar a estes exploradores de sangue
frio?
Essa palavra “vencer”, o que é vencer?
Será que vencer é ter o que o rico sempre teve, é mostrar que eu agora uso ouro, roupas caras e morro bem, ou entro na favela de Ferrari. Será que é isso?
Se bem que comprando tudo isso iriamos é deixar os brancos que vendem isso tudo muito felizes.
Será que vencer é ter o que o rico sempre teve, é mostrar que eu agora uso ouro, roupas caras e morro bem, ou entro na favela de Ferrari. Será que é isso?
Se bem que comprando tudo isso iriamos é deixar os brancos que vendem isso tudo muito felizes.
Os negros, os trabalhadores em geral, hoje estão perdendo os poucos
direitos trabalhistas que tinham, continuam sendo presos por nada e condenados
por um júri racista, sendo mortos aos montes.
O que um negro bem sucedido dentro desse sistema pode fazer para melhorar
isso?
Pode empregar a negros? Sim claro!
Pode divulgar projetos contra o racismo e favorecer a cultura negra?
Ótimo, claro que sim!
PORÉM, se ele valorizar seus funcionários, salários justos, como irá competir
com o concorrente que usa mão de obra barata?
Se ele respeitar seus consumidores, não explorá-los com propagandas que
ferem as mulheres, que alienam crianças, fortificam o machismo e tentam vender
como se consumir fosse o que há de mais sagrado no mundo, ele não iria durar
muito no mercado. E na mídia, se começasse a denunciar como seu povo é
explorado, é dizimado, perderia o foco!
Brown não precisa ser o nosso Malcolm X, pode ser até a nova atração da
praça é nossa se quiser. Somos nós quem devemos filtrar o que nos é mais válido no
momento.
Foi-nos apresentado um único estilo de vida, de sistema, mas o que a
história pode nos ensinar, o que nós sabemos da história em relação ao
desenvolvimento humano?
Não
devemos fazer caricaturas de Mano Brown, vamos compreender ao pé da letra o
que ele fala, ver se ele sabe do que está falando. Ver se nós como uma resistência negra precisamos disso.
“...Agora sou mais tranquilo. Quem viu o que eu vi só pode achar que a coisa melhorou. Mas respeito quem acha que tá uma merda. Vim de muita luta, né, várias guerras… então hoje eu tô mais tranquilo. As lutas são por direitos e empoderamento intelectual e financeiro.”
Como?
O
sistema é feito de exploração!
Até a vinda do trabalho assalariado para o Brasil foi uma questão estratégica do sistema, uma nova fase para a exploração, isso não mudou em nada a pirâmide social, apenas deu mais potência a máquina capitalista. Os trabalhadores eram e ainda são explorados, pois não têm a mesma qualidade de vida que outras camadas da pirâmide.
Até a vinda do trabalho assalariado para o Brasil foi uma questão estratégica do sistema, uma nova fase para a exploração, isso não mudou em nada a pirâmide social, apenas deu mais potência a máquina capitalista. Os trabalhadores eram e ainda são explorados, pois não têm a mesma qualidade de vida que outras camadas da pirâmide.
Sem
acho isso ou acho aquilo, nosso sistema de modelo econômico necessita de
divida para fazer o dinheiro, da exploração para fazer riqueza. Mano Brown não
tem obrigação alguma de ser nosso "Messias" ou "Líder
Revolucionário", claro que ele está em um lugar de destaque, é um formador
de opinião quer queira ou não, porém ele tem a liberdade de decidir como quer
aproveitar essa posição, seja exibindo um livro como A Guerra Não Declarada Na
Visão De Um Favelado, ou um colar de ouro e uma champanhe. A decisão é apenas dele.
Existem
verdadeiros(as) guerreiros e guerreiras que sentem a necessidade de lutar
contra o sistema, pois reconhecem que a escravidão, a exploração,
marginalização e genocídio do povo negro não foi e não é a toa, não foi só por ódio ou
preconceito, isso foi primeiramente econômico! Países, nações, se ergueram com
mão de obra escrava. Hoje, empresários ganham milhões e milhões, enquanto os
trabalhadores ganham apenas o necessário para garantir sua sofrida sobrevivência.
Não
adianta pensar que um político honesto resolveria, porque se esse político não
fizer o jogo da oligarquia, do empresário, do banqueiro, esses têm o poder de
deixar o país na míngua. Podem fechar fábricas, demitir em massa, bancos deixar de financiar produtores e por ai vai, o país facilmente entraria em um
colapso econômico-social e a mídia diria todos os dias que a culpa é do atual
governo, até que alguém que faça o jogo deles assuma. Ou seja, o que o explorado,
o lado que sustenta realmente este sistema pode fazer?
Aceitar
a exploração?
Como
jogaríamos esse jogo?
Como
todos nós viveríamos com boa qualidade de vida nesse sistema ainda escravocrata?
Esse
sistema precisa ser enfrentado!
Um
bom começo para quem quer enfrentar esse sistema é estudar, correr atrás de
informação, perguntas chave precisam ser respondidas. Precisamos saber como
funciona a economia, “Deus é uma nota de 100”, certo, mas como funciona o
sistema monetário? Como o dinheiro surge?
Estudar
as relações de trabalho atuais, de produção. Quem define os valores dos
produtos? Como isso é determinado?
Mesmo que o sistema passe a admitir negros no topo da pirâmide, a exploração do trabalho iria parar?
Mesmo que o sistema passe a admitir negros no topo da pirâmide, a exploração do trabalho iria parar?
O
genocídio prossegue! Nós estamos morrendo!
Mano
Brown não quer mais voltar ao tempo da dor, ele diz que sofreu muito, que muita
gente morreu, que sua música tocou em velório, mas eu gostaria de saber; “O que
mudou de lá pra cá?”.
O encarceramento só tem aumentado, e isso não quer dizer que são todos
criminosos, quantos Rafael Braga estão atrás das grades?
“As
balas perdidas” que atingem as costas, nuca, cabeça e coração dos negros pobres
todos os dias. A desinformação e intolerância que são códigos chaves desse
sistema para que nós aceitemos essa condição e miséria também contribui para o
extermínio dos homossexuais, índios, imigrantes entre outras desgraças como a
culpa que um miserável sente pela sua própria situação.
Existe
muita informação útil para quem não está nessa de “jogar o jogo do sistema” só
porque está ascendendo socialmente. Brasileiros e brasileiras que têm muito a
oferecer, como Milton Santos, Eduardo Taddeo, Carolina Aria de Jesus, Tereza de Benguela, Laudelina
de Campos e muitos outros que podem nos dar informação e nos inspirar a lutar
de verdade.
“Só precisava de um banho de shopping. Regras locais, parceiro. Quem tá agora no Shopping Iguatemi, Villa-Lobos, JK? A mulher branca gosta de cabeleireiro tanto quanto a negra, de manicure. O homem negro gosta de roupa boa tanto quanto o branco. Gucci, Armani. Isso não é fraqueza.”
Sim
Brown, isso não é fraqueza, porém a prioridades, se o nosso povo não estivesse
sendo exterminado, realmente um banho de loja poderia ser legal. O problema
apenas está mascarado como falta de oportunidades ou de profissionalização, é
só olhar o tamanho das favelas para ver que se ali todos tivessem um diploma,
todos ainda estariam vivendo na pobreza, nosso sistema não acomodaria a
todos numa boa vida, uma grande massa explorada é o que faz a riqueza. Usar
roupas chiques não irá ajudar em nada para uma melhor distribuição de renda.
Um
negro por estar bem sucedido não fará o sistema retirar as correntes dos
outros. A questão não é apenas racial, antes de tudo devemos lembrar o que a
exploração significa para essa economia.
É
preciso parar essa exploração, esse machismo, todo o preconceito que nos
separa, nos divide.
“Até que a filosofia que sustenta uma raça superior e outra inferior seja finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada. Haverá guerra, eu digo guerra” Bob Marley (trecho da música War inspirado no discurso de Haile Selassie).
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